Maurício Barreto: o epidemiologista que está na linha de frente dos estudos sobre covid-19

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27 de Junho de 2020 11h06

Trabalhos do professor correram o mundo: da Universidade de Londres à OMS; hoje, ele também assessora os estados do Nordeste

Twitter: @ItapebiAcontece

(Fotos: Marina Silva/CORREIO)

Seus principais interesses de pesquisa são doenças infecciosas e epidemiologia
 

Em pouco tempo, o professor e epidemiologista Maurício Barreto percebeu que o cenário era diferente. Desde o início de 2020, a produção científica tinha atingido níveis altíssimos devido à pandemia da covid-19. A cada dia, centenas de novas publicações continuam a ser divulgadas, em todo o mundo. Em algumas plataformas que reúnem artigos científicos, como Pubmed, há mais de 25 mil estudos disponíveis. 

O movimento não é injustificado: pouco se sabia sobre o novo coronavírus. Mesmo hoje, ainda há muitas perguntas sem resposta. Muito do que se conhece vem de experiências anteriores, como a gripe espanhola, em 1918. Por isso, tantos cientistas começaram a se debruçar sobre a doença. 

Mas não adianta que a produção seja tão grande e difusa se não houver quem consiga analisar e, a partir disso, divulgar para a sociedade – até porque muitas investigações sequer tiveram tempo de passar por revisão de pares. Foi nesse contexto que o professor Maurício decidiu criar a Rede Covida – um projeto de produção, seleção e divulgação científica sobre a covid-19. 

“Esse conhecimento precisa ser digerido para ser transformado em dado para a sociedade. O processo de produção é muito controverso. Tem dúvidas em várias áreas e saem controvérsias; um diz uma coisa, outro diz outra”, explica ele, que é professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde coordena o Centro de Integração de Dados para Saúde (Cidacs). 

A Ufba e o Cidacs são justamente as duas instituições que coordenam a Rede Covida, formada, hoje, por cerca de 150 pesquisadores e comunicadores voluntários. A maior partes está ligada a pelo menos uma delas, mas há gente de todo o Brasil e mesmo de outros países. 

Inicialmente, o objetivo não era fazer pesquisa. O principal foco do grupo, hoje coordenado por 11 pessoas, inclusive o professor Maurício, era organizar e sistematizar o conhecimento que vem sendo produzido. Divididos em áreas temáticas, fazem revisão de literatura, esclarecem dúvidas, produzem documentos e notas técnicas para a sociedade. 

Na mais recente, divulgada em junho, a Rede Covida desaconselhou o uso de ivermectina no tratamento da covid-19, devido à falta de provas científicas de que seja efetiva. 

“Se a gente começasse cada um com seu problema de pesquisa, o conhecimento continuaria muito disperso. Porém, mais recentemente, isso vem gerando questões de pesquisa. Como todo mundo é pesquisador, foi um desdobramento natural”, diz o professor Maurício, que está diretamente envolvido com um projeto que investiga os possíveis efeitos do bacilo de Calmette-Guérin (BCG) no coronavírus.

Por muitos anos, ele desenvolveu trabalhos sobre BCG na Ufba, mesma instituição onde formou-se médico e, posteriormente, virou mestre. Lá, com uma longa trajetória, se tornou um dos pesquisadores com produtividade 1A do CNPq, o mais alto grau de progressão na carreira científica do órgão federal, na instituição. 

Seus projetos, na verdade, foram além dos muros da Ufba. Os trabalhos sobre epidemiologia e saúde coletiva correram o mundo: da Universidade de Londres à Fiocruz Bahia; do Ministério da Saúde à Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Em março deste ano, após uma atualização do CNPq, sua bolsa passou a ser ligada à Fiocruz, onde também atua há seis anos. Desde 2014, após ter se aposentado da Ufba no ano anterior, ele trabalha como pesquisador-especialista na fundação. Mas o vínculo com a Ufba continua tanto como professor emérito quanto professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. 

É por isso que, enquanto um dos grandes nomes da pesquisa em epidemiologia e doenças infecciosas, não consegue deixar de se preocupar com recentes tendências no Brasil e do mundo – a exemplo do movimento antivacina, considerado pela OMS uma das dez ameaças à saúde em 2019. 

Até poucos anos, esse comportamento era impensável, segundo o professor. Isso porque o programa de imunização brasileiro é considerado por especialistas uma conquista importante. 

“Tem muita pesquisa no Brasil, um movimento de tecnologia e a importância de mostrar os efeitos da vacina. Isso era impensável, mas acho que, com todo um movimento de descrédito da ciência surgindo nos últimos anos, é como se a ciência fosse uma coisa meio diabólica e o que ela contribuiu não fosse suficiente ou verdadeiro”, criticou.

Para o professor Maurício, a tendência anticiência é uma das mais estranhas, porque, por muito tempo, acreditava-se que a ciência estava consolidada. Ainda que seja sujeita a críticas e questionamentos, havia uma compreensão generalizada da sua importância. 

“Mas a epidemia (da covid-19) trouxe uma coisa: como a doença é muito nova, o único método de conhecer algo novo é através do método científico. Mais do que nunca, todo mundo viu que era necessário ter o método científico. E quem domina isso são os pesquisadores”, reflete. 

Nesse momento, a ciência tem conseguido orientar governantes – no Brasil, pelo menos governadores e prefeitos. Foi com o objetivo de fazer recomendações para políticas de saúde dos nove estados nordestinos que foi criado o comitê científico do Consórcio Nordeste, do qual o professor Maurício é um dos membros. 

No comitê, coordenado pelo neurocientista Miguel Nicolelis e pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Rezende, ele é responsável pelo subcomitê de epidemiologia. 

“Cada estado tem sua autonomia, mas o comitê foi criado para dar assessoria. O papel é de interpretar o conhecimento científico e fazer recomendações. Tendo em vista que é algo que ninguém conhece bem, esse é o papel que a gente entende para a ciência”, diz o professor. 

Todo o trabalho tem sido feito de casa, de forma virtual. “Tenho 66 anos. Sou grupo de risco, então tenho me mantido em casa, mas é uma mudança na rotina de vida. Tudo por Zoom e outros aplicativos. Nós já tínhamos o hábito de fazer reuniões com grupos de fora no Cidacs, mas agora se intensificou”, conta.

Educação

Aos oito anos de idade, o pequeno Maurício Barreto viu seus pais tomarem uma decisão que mudou o destino da família: para dar uma educação melhor aos sete filhos, saíram de Itapicuru, no Nordeste baiano, com destino a Salvador. 

Foi o primeiro passo para que sua trajetória cruzasse os caminhos da ciência, anos mais tarde. Vieram os anos da adolescência; percebeu que gostava de Ecologia e quase acabou tornando-se biólogo. Mas, depois de conversas com a família e os amigos, foi aprovado no vestibular de Medicina da Ufba aos 17 anos – o único que prestara, em 1972.

“Eu já me interessava em fazer (o curso) na Ufba. Não fiz em outras universidades não só por questões econômicas, mas porque sabia que, na Ufba, existiam coisas diferentes”, lembrou. 

 

Mesmo sem ter muita clareza do que significava ser um pesquisador, o Maurício da época do vestibular já sabia que queria trabalhar com questões do conhecimento. Queria estar ligado à ciência. Assim, logo no segundo ano do curso de Medicina, já tinha se aproximado dos professores que desenvolviam pesquisa. 

Com um grupo de colegas, acompanhou um professor que estudava os tecidos do corpo humano. Em seguida, deparou-se com a Epidemiologia – aquela que viria a ser sua companheira pelos anos seguintes. Na época de internato, no quinto ano, quando estava no Hospital Couto Maia, aplicou para uma bolsa de iniciação científica do CNPq.

“Naquela época, as bolsas eram muito raras. Hoje, é comum, mas, antes, tinha todo um processo de aplicação e consegui”.

Enquanto cursava a graduação, percebia uma coisa: seu principal interesse era por questões gerais, que fossem além do paciente. Assim, a Epidemiologia apareceu como uma das possibilidades para entender as causas de saúde e de doença com relação às populações, da sociedade e do ambiente. 

Fez o mestrado em Saúde Coletiva e, a partir dali, decidiu que queria amadurecer como pesquisador. Começou a buscar, imediatamente, uma bolsa para fazer doutorado fora do Brasil. Foi assim que, em 1983, deu início ao doutoramento em Epidemiologia na Universidade de Londres, na Inglaterra. 

A adaptação foi difícil: era a primeira vez que viajava para fora do Brasil, justamente em um ano em que Londres passava por um inverno rigoroso.

“Eu tinha alguma fluência em inglês, mas até me acostumar com a língua, foi um pouco difícil. Mas, no final, foi uma experiência positiva, principalmente para conhecer o ambiente diferente das nossas universidades”, admitiu. 

Professor

Na Ufba, já era professor colaborador antes mesmo do doutorado – desde 1980.

 

 

“Não fiz a opção de estar na universidade só por ensinar, mas para fazer pesquisa. Mas sempre gostei de ensinar e acho importante ter relação com os estudantes. É sempre uma coisa enriquecedora, porque não entendo o pesquisador como algo isolado do mundo”. 

Mas, uma hora, é preciso parar. A vida de professor é dura. Por isso que se aposentou em 2013, mas decidiu continuar na pós-graduação, desenvolvendo suas pesquisas.  

Nos últimos anos, essa pesquisa foi direcionada ao estudo de impactos de grandes intervenções sobre a saúde da população. Primeiro, desenvolveu um teste para saber se a revacinação com BCG tinha efeito na saúde. Depois, o professor Maurício e seu grupo avaliaram o Bahia Azul, programa de saneamento ambiental dos anos 1990, na saúde. Por fim, vieram estudos sobre os efeitos de programas sociais como Bolsa Família nos indicadores de saúde. 

Desde 2016, ele coordena o Cidacs – um centro ligado à Fiocruz-Bahia por meio de um convênio com a Ufba, que utiliza grandes bases nacionais para fazer estudos epidemiológicos sobre impactos nas populações. Só no centro, lidera um grupo grande de jovens pesquisadores, a exemplo de 14 pós-doutores. 

“Nós tivemos a sorte de ainda não ter sofrido um impacto grande no cotidiano porque a gente conseguiu alguns financiamentos antes dessa crise e tem conseguido manter o centro. Mas a situação é extremamente preocupante e estamos ficando no nosso limite. Se agravar mais, pode se catastrófico”, alertou.

Vídeo

Reconhecimento

A classificação para 1A veio há mais de 20 anos, em 1998. Já era pesquisador do CNPq há pelo menos 11 anos. Para ele, é um reconhecimento da comunidade científica. Algo que indica que, entre seus pares, é aceito como alguém que contribuiu para sua área. Mas, além disso, é membro de entidades como a World Academy Science – associações que, para participar, é preciso ser escolhido por outros pesquisadores. 

Esse prestígio, na avaliação dele, é importante para a Ufba. Ao contrário de intelectuais e escritores, por exemplo, que escrevem para si, o pesquisador tem um vínculo institucional. 

“O prestígio está dividido com esse vínculo. Acho que a universidade é muito baseada em pessoas. Claro que tem a estrutura, mas uma das coisas mais importantes e centrais é a contribuição que as pessoas dão”, disse. 

Ele nunca teve meta de produção. Mesmo assim, tem índices altos – 482 artigos publicados em periódicos, por exemplo. A diferença, ressalta, é que sua área é uma das que os pesquisadores mais trabalham de forma integrada. 

Ou seja: todos trabalham como um grande time. Ainda que existam experiências e lideranças, a maioria das áreas da ciência não tem mais o pesquisador que trabalha individualmente.

“Temos a idealização do vencedor do Prêmio Nobel (como alguém que é destaque individual), mas isso está se diluindo cada vez mais, principalmente quando envolve trabalhos empíricos”.

 

Em casa

Na família do professor Maurício, alguns dos irmãos – filhos de um coletor (o antigo auditor fiscal) e de uma costureira – tornaram-se professores da Ufba. O professor Maurício casou com uma professora: a também médica Estela Aquino, referência nos estudos de Gênero e Saúde. 

Dos três filhos que teve, apenas um não seguiu a carreira de pesquisador – formou-se cirurgião. A outra fez Direito e, atualmente, cursa o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A terceira filha, historiadora, já fez mestrado e trabalha no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Nas horas em que não está pesquisando, continua lendo. Mas procura outros interesses; já esteve muito interessado em filosofia, por exemplo. Acompanha periódicos porque sente que precisa estar constantemente atualizado com o que acontece no mundo.

 

“Não sou um solitário, mas gosto da solidão. Gosto de ficar sozinho, às vezes, para pensar. Eu tento me conectar com outras coisas que vão além do limite da ciência que eu faço”, explicou.

 

Formação acadêmica, segundo o Lattes:

  • 1983 – 1987
    Doutorado em Epidemiologia – University of London, UL, Inglaterra
  • 1979 – 1982
    Mestrado em Saúde Coletiva -Universidade Federal da Bahia
  • 1977 – 1977
    Especialização em Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz
  • 1972 – 1977
    Graduação em Medicina – Universidade Federal da Bahia

Produtividade em números

18
orientações de mestrado concluídas

24
orientações de doutorado concluídas

1
orientação de mestrado em andamento

7
orientações de doutorado em andamento

7
participações em bancas de mestrado

4
participações em bancas de doutorado

1
participação em banca de qualificação de doutorado

1
participação em banca de comissão julgadora de professor titular

482
artigos completos publicados em periódicos

2
livros publicados/organizados ou edições

49
capítulos de livros publicados

172
resumos publicados em anais de congressos

50
resumos publicados em anais de congressos (artigos)

10
apresentações de trabalho

 

Por: Correio24horas

 

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