O que Bolsonaro disse em inglês durante manifestação na Avenida Paulista?

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Bolsonaro usa inglês para protestar contra condenações de vendedores em comício em São Paulo.

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Imagens: Reprodução web

O ex-presidente Jair Bolsonaro surpreendeu seus apoiadores ao intercalar seu discurso com uma breve declaração em inglês durante um comício realizado na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo, 6 de abril de 2025. O evento reuniu milhares de pessoas que vestiam camisas amarelas da seleção brasileira, em apoio a uma lei de anistia que poderia livrar Bolsonaro de acusações criminais e libertar seus aliados presos por protestarem contra a eleição de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, dois anos antes. A inesperada incursão no idioma estrangeiro ocorreu em meio a críticas contundentes à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar um vendedor de pipoca e um vendedor de picolé por suposta participação nos atos de 8 de janeiro de 2023.  

Antes de proferir a frase em inglês, Bolsonaro reconheceu sua dificuldade com o idioma, dizendo: “Eu não falo inglês. É uma falha na minha formação. Mas quero dar um recado ao mundo”. Em seguida, declarou: “Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup d’État in Brazil”. Logo após, traduziu para o português: “Vendedores de pipoca e sorvete condenados por golpe de Estado no Brasil”. Visivelmente indignado, Bolsonaro completou em português: “É uma vergonha condenar esses dois por um crime que não existiu”.

A escolha de se expressar em inglês, mesmo com dificuldades reconhecidas, sugere uma estratégia deliberada de alcançar uma audiência internacional, buscando apresentar sua perspectiva sobre os acontecimentos no Brasil para além das fronteiras nacionais. A decisão de usar uma língua estrangeira, ainda que de forma breve, demonstra a intenção de Bolsonaro de que sua mensagem sobre a condenação dos vendedores seja compreendida globalmente, possivelmente buscando apoio ou levantando questionamentos sobre as ações do judiciário brasileiro no cenário internacional.  

A declaração em inglês referia-se à recente condenação de Otoniel da Cruz, um vendedor de picolé de 45 anos, e Carlos Eifler, um vendedor de pipocas gourmet de 54 anos, pelo STF. Bolsonaro expressou sua “indignação” com a decisão da corte, considerando “inacreditável” o que estava acontecendo nos julgamentos relacionados aos eventos de 8 de janeiro. A frase concisa e direta em inglês, “Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup attempt in Brazil”, parece ter sido cuidadosamente elaborada para transmitir uma mensagem clara e impactante para o público internacional, mesmo para aqueles com conhecimento limitado da política brasileira. Ao destacar a profissão dos condenados e associá-los a uma tentativa de “golpe de Estado”, Bolsonaro buscou criar uma imagem de desproporcionalidade e possível injustiça na decisão do STF. O reconhecimento público de sua dificuldade com o inglês antes de proferir a frase pode ter como objetivo adicionar uma camada de autenticidade e urgência à sua mensagem, sugerindo que a situação era tão grave que o motivou a sair de sua zona de conforto linguística para alertar o mundo.  

Além de criticar a condenação dos vendedores, Bolsonaro intensificou seus ataques ao STF durante o comício. Ele acusou a mais alta corte do país de agir em “conluio” com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para garantir a vitória de Lula nas eleições de 2022. Essa acusação ecoa alegações anteriores de Bolsonaro sobre fraude eleitoral, que nunca foram comprovadas. O ex-presidente também afirmou que os tribunais brasileiros o estavam “caçando” com “lawfare”, um termo que descreve o uso estratégico do direito contra um oponente político, traçando um paralelo com a situação da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen. Essa narrativa de perseguição política tem sido uma constante em seus discursos desde que deixou a presidência. Ao alegar uma conspiração entre o STF e o atual presidente, Bolsonaro busca deslegitimar tanto o processo eleitoral quanto as ações judiciais em curso contra ele e seus aliados. A comparação com a situação de Marine Le Pen sugere uma tentativa de se inserir em um contexto mais amplo de líderes conservadores que alegam ser vítimas de perseguição judicial por motivos políticos.  

Em outro momento de seu discurso, Bolsonaro abordou sua permanência no Brasil e as investigações sobre os eventos de 8 de janeiro. Ele declarou enfaticamente que não deixará o país. Sobre os atos de vandalismo em Brasília, afirmou: “Se eu tivesse ficado aqui no 8 de janeiro, estaria apodrecendo na cadeia”. Essa declaração sugere uma percepção de vulnerabilidade legal em relação aos eventos daquele dia, quando apoiadores seus invadiram e depredaram as sedes dos três poderes da República. Bolsonaro também insinuou que haveria uma intenção de assassiná-lo. Essas declarações visam reforçar a imagem de que ele é alvo de perseguição e que sua integridade física estaria em risco. Ao afirmar que não deixará o Brasil, ele busca dissipar rumores de que poderia tentar evitar futuras responsabilizações legais buscando refúgio no exterior. Sua fala sobre o 8 de janeiro parece ser uma tentativa de se distanciar da responsabilidade pelos atos de seus apoiadores e de alegar que sua presença no Brasil naquele dia o teria colocado em risco de prisão injusta.  

A manifestação na Avenida Paulista teve como principal bandeira a defesa da anistia para os envolvidos nos episódios de 8 de janeiro. Muitos dos apoiadores de Bolsonaro presentes no ato vestiam a camisa amarela da seleção brasileira, que se tornou um símbolo de seu movimento político. O ex-presidente liderou o comício em apoio a uma lei de anistia que poderia beneficiá-lo, livrando-o de acusações criminais, e também seus aliados que foram presos por protestarem contra o resultado da eleição de 2022. Bolsonaro expressou sua esperança de que o Congresso Nacional aprove uma lei de anistia elaborada por seus aliados. A centralidade do tema da anistia no comício revela um esforço coordenado por Bolsonaro e seus apoiadores para mitigar as consequências legais dos atos de 8 de janeiro. A busca por clemência, tanto para os participantes diretos dos atos quanto para o próprio Bolsonaro, que enfrenta acusações de tentativa de golpe, demonstra a alta aposta política e jurídica envolvida nessa questão.  

A condenação de Otoniel da Cruz e Carlos Eifler pelo STF ocorreu na sexta-feira, 4 de abril. Ambos foram considerados culpados por incitação ao crime e associação criminosa. As penas podem chegar a três anos e seis meses de prisão, com possibilidade de cumprimento em regime aberto, caso não haja agravantes. Apenas os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça votaram pela absolvição dos dois réus. Os demais ministros seguiram o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. Os condenados negam ter participado dos ataques às instituições e foram presos em 9 de janeiro, quando estavam acampados em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília. Eles foram liberados dias depois, sob a condição de usar tornozeleira eletrônica.  

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